sexta-feira, 23 de julho de 2010

FUTEBOL NO BRASIL E NA EUROPA

Duas imagens, mil palavras

qua, 21/07/10
por marcelo barreto |
categoria Futebol

sportGuardo na lembrança um dia emblemático nas diferenças entre o futebol brasileiro e o europeu. Não vou recitar de cor a data, que a memória já não chega a tanto – na verdade, chega a cada vez menos. Mas sei que participei, naquela jornada, de duas edições do Tá na Área: uma antes de Alemanha e Croácia, pela Eurocopa; e outra antes de Sport x Corinthians, segundo jogo da final da Copa do Brasil.

Direto da Áustria ou da Suíça (a memória…) chegaram imagens aéreas dos ônibus de alemães e croatas atravessando um lindo bosque num dia ensolarado. Os jogadores desciam, com seus fones de ouvido, diante de um túnel que levava diretamente ao campo – com um desvio à esquerda e outro à direita para os vestiários, onde as camisas estavam penduradas nos cabides e as chuteiras brilhavam em pares pelo chão. Tudo registrado pelas câmeras, sem a presença de qualquer pessoa que não fosse absolutamente necessária à cena. O reconhecimento do gramado e o aquecimento também renderam belas imagens, com a colorida festa das torcidas na arquibancada. Tudo muito vivo, brilhante e com um super slow aqui e ali.

O ônibus do Corinthians agarrou na entrada da Ilha do Retiro. Os jogadores desceram isolados do batalhão de repórteres por um cordão de seguranças parrudos de mãos dadas. Os do Sport, que se concentraram na área do estádio, só precisavam atravessar a pé o estacionamento – onde o técnico Nelsinho Baptista foi surpreendido pelos jornalistas e quase levou uma microfonada na cabeça. No campo, a iluminação não era das melhores e o gramado estava esburacado.

balaSe dependesse do que chamamos de pré-hora no jargão da televisão, não havia dúvidas: o jogo da tarde seria muito melhor do que o da noite. Mas a bola rolou e desmentiu o contraste das imagens: Sport e Corinthians foi muito mais divertido de ver do que Alemanha e Croácia. O futebol brasileiro – peço que entendam que a crítica aqui é geral, e que a Ilha do Retiro foi usada apenas como exemplo – ainda não aprendeu a mostrar ao mundo um espetáculo limpo visualmente, como vimos naquela Eurocopa e acabamos de ver, com mais força do que nunca, na Copa do Mundo, levada ao mundo pelas 32 câmeras que a Fifa disponibilizava em cada jogo, sem contar o show de edição e recursos visuais.

Voltei a pensar naquele dia enquanto assistia à rodada do Campeonato Brasileiro. Esta semana, depois de ouvir de meu amigo Aydano André Motta que Santos e Fluminense foi melhor do que quase todos os jogos da Copa, assisti no Redação SporTV ao debate sobre um post no blog do jornalista inglês Tim Vickery, falando do choque de realidade que os jogadores brasileiros enfrentam quando vão para a Europa (e lá encontram um jogo mais rápido e mais duro) e reclamando da qualidade do futebol no Brasileirão.

alanUma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Primeiro, a velocidade. Já fui muitas vezes chamado de velho nos comentários sobre posts que falavam do jeito de jogar futebol ontem e hoje, mas preciso me arriscar de novo: ainda não me convenci de que jogar depressa é jogar bem. Os contra-ataques da Alemanha na Copa eram, sim, belos exemplos de um casamento entre velocidade e eficiência. Assim como a jogada que resultou no gol do Fluminense e aquela que quase deu o empate ao Santos, diga-se de passagem. Mas e a Espanha? Posso ter entendido errado, mas achei que a principal virtude dos campeões mundiais foi conseguir reduzir o ritmo dos adversários com o talento que seus jogadores tinham para tocar a bola, controlando o tempo.

E é aí que entra a outra coisa, a qualidade. Faz sentido reclamar do nível geral dos jogadores em atividade no Brasil. Ainda temos muita coisa boa por aqui, mas não é fácil manter o padrão num país fornecedor de mão de obra. Em campeonatos compradores, como o inglês, montam-se os times realizando os sonhos mais loucos de seus managers. Alguns, inclusive, brasileiros – e os que sobrevivem ao choque de realidade conseguem fazer a diferença com seu talento, mesmo em meio a toda aquela velocidade, como fizeram os espanhóis na Copa. (Aliás, a seleção brasileira foi à África do Sul com uma proposta mais baseada na velocidade do que no talento, e talvez esse tenha sido seu maior erro.)

Há ainda alguns fatores externos que afetam a qualidade do jogo, lá e cá. Para ficar no exemplo do futebol inglês, o que se viu na era pós-relatório Taylor foi o investimento no futebol como espetáculo. A arbitragem foi orientada a apitar menos faltas, a deixar o jogo correr. Os campos ficaram mais estreitos, para evitar o toque de bola lateral e forçar o jogo na direção da área adversária. Os estádios, reformados primeiro por questões de segurança, acabaram transformados em cenários, com arquibancadas próximas ao campo, permitindo um show de imagens em close. Tudo fica mais rápido, mais dinâmico, mais televisivo – porque quem paga a conta do show é o contrato bilionário de transmissão.

estadiosPor aqui, ainda temos o atacante que se oferece para a falta quando recebe a bola, o zagueiro que já chega para fazê-la e o juiz com o apito nervoso na boca, louco para marcá-la. Campos meio quadrados, de grama alta e descolorida. Estádios velhos, amplos demais e mal iluminados. Por mais bonito que se jogue, a imagem fica mais feia do que a de uma pelada num campeonato europeu. A parte estrutural tende a mudar, puxada pela Copa de 2014, e pode levar junto o ranço cultural.

Agora, mesmo que o futebol brasileiro mude e valorize o espetáculo das imagens, não vejo razão para correria. Nem as 32 câmeras da Fifa conseguiram dar alguma graça ao que Nova Zelândia, Argélia, Itália, França e – com exceção ao gol de Gerrard – Inglaterra fizeram na Copa. Já a tabela do Inter que acabou no gol de Alecsandro, que vi há pouco, fica bonita até em preto e branco. Uma imagem que fala mais do que as mil palavras deste texto.

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