segunda-feira, 22 de novembro de 2010

COMUNICAÇÃO DÉFICIT DE ATENÇÃO E MÍDIA DIGITAL

Comunicação, déficit de atenção e mídia digital, por Monica MartinezImprimirE-mail

Ontem tive a oportunidade de participar de dois eventos importantes. O primeiro, no campus Liberdade da FMU, foi uma palestra do psiquiatra Leandro Thadeu Garcia Reveles, do Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência (Sepia) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os transtornos baseados na tríade desatenção, impulsividade e hiperatividade – conhecidos como TDAH – são a especialidade do médico.

Quase ao término da palestra, Reveles lembrou que o mundo digital é altamente danoso para as crianças e adolescentes que sofrem com o problema – que atinge 5 a 7% da população mundial. “O hiperfoco – todos os sentidos voltados para algo externo – propiciados por computadores e videogames são uma praga para quem tem TDAH”, alerta o especialista.

Na sequência, tive a oportunidade de ouvir uma conferência de um especialista na área de Comunicação, o sociólogo Dominique Wolton, em evento realizado na Faculdade Cásper Líbero em parceria com a Aliança Francesa e o Universo do Conhecimento. Pesquisador do prestigiado Centro Nacional da Pesquisa Científica (CNRS), desde 2000 ele dirige um laboratório sobre informação e comunicação naquele instituto. O autor de É Preciso Salvar a Comunicação (Paulus), entre outros títulos, não é otimista quanto à parceria entre mundo digital e os processos comunicativos. “Não é verdade que, quanto mais tecnologia e mais informação, haja mais comunicação. É uma armadilha pensar que o aumento da produção e da velocidade representa um progresso”, adverte. “Há 6 bilhões de pessoas no planeta, destas 5 bilhões têm acesso à televisão e 3 bilhões à internet, e não estamos nos comunicando melhor por causa disto”.

Para Wolton, a Comunicação é a grande questão do século 21. E ela tem dois pontos principais no que tange à globalização. O primeiro é político: as pessoas não compartilham a mesma visão. A rede estadunidense CNN, diz ele, simplesmente é um paradigma de como a notícia é percebida pela opinião dos norte-americanos. O segundo ponto é cultural: “a biodiversidade existe e deve ser respeitada”. Segundo o sociólogo, a grande questão da comunicação é a descoberta da alteridade. Sim, ele diz, arrancando risadas da plateia, ela não é simples nem mesmo entre casais – o que dirá entre povos. “Já que é complicado entre os homens, multiplicam as técnicas”, ironiza.

Neste contexto da informação rápida e acessível, Volton lembra que é preciso tempo para que um entenda o outro. Para ele, jovens que andam com fones de ouvido, escutando música, agem como autistas. “É como a tirania da câmera digital: quem faz centenas de fotografias digitais não vê a realidade”.

A meu ver, este foi o ponto que uniu ambas as palestras. Tanto o hiperfoco da criança com TDAH quanto a visão do mundo mediada por aparatos virtuais em todas as faixas etárias estão causando um descolamento da realidade. A pesquisa Criança e Natureza, realizada pelos pesquisadores Dorothy e Jeromy Singer, da Universidade de Yale, publicada na edição de 25 de outubro de 2010 da revista Época, é um exemplo. Foram 2 233 entrevistados – mães e filhos de 8 a 12 anos de 11 países, incluindo o Brasil –, sendo que 45% das crianças disseram aprender mais sobre a natureza vendo vídeos, filmes e televisão. Embora 99% dos adultos reconheçam a importância do contato com a natureza, poucos conseguem concretizá-lo na prática. Fenômeno que, segundo a revista, tende a aumentar uma vez que 50% da população mundial atual more em centros urbanos, número que deve saltar para 65% em 2030.
E o que isto tem a ver com jornalismo? Tudo. Neste semestre, por exemplo, fiquei surpresa ao sugerir um exercício simples, no qual os alunos deveriam por 20 minutos sair da classe, observar o ambiente e escrever um relato num texto muito curto, como se fosse para o twitter. Detalhe: tratava-se de uma manhã de inverno excepcionalmente quente, beirando os 30 graus. Resultado: entre os textos, alguns falavam de manhãs frias e chuvosas, como se a idéia pré-concebida de um dia invernal fosse mais forte do que os fatos observados. Livres dos aparatos midiáticos, dos celulares e afins, e baseados apenas em seus sentidos – visão, audição, olfato, tato e paladar –, alguns alunos sentiram dificuldade em fazer uma leitura o mais fiel possível da realidade.

Ora, se isso ocorre num texto livre, o que não estará acontecendo nas coberturas jornalísticas, onde a observação é um dos elementos-chave para a interpretação das complexas mediações simbólicas? Volton, talvez brincando, sugere uma greve aos aparatos virtuais, aos e-mails e câmeras digitais. Bom, nem tanto ao céu – o uso ilimitado – nem tanto a terra (fim aos meios digitais). O próprio sociólogo lembra que os verbos fundamentais em comunicação contemporânea são negociar e coabitar.

Neste sentido, talvez a recomendação para uma humanidade que se encontra na adolescência no uso das mídias digitais não seja a de abolir o uso – afinal muito dele é extremamente oportuno –, mas simplesmente o de empregá-las com discernimento. Nada muito diferente, aliás, do que se fazia com o uso do telefone antes do surgimento da internet.

Profa. Dra. Monica Martinez
Jornalista, escritora e professora universitária
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