sexta-feira, 5 de novembro de 2010

BIODIVERSIDADE: O MUNDO SE AFLIGE, O BRASIL ESQUECE

Biodiversidade: O mundo se aflige, o Brasil esquece

(Washington Novaes)

Não terá sido por falta de informações sobre a gravidade da situação dos recursos naturais no mundo que foram tão difíceis as negociações no Japão, desde a semana passada, no âmbito da Convenção da Diversidade Biológica.

Enquanto ali se sucediam os impasses, na Assembleia-Geral da ONU era
apresentado um relatório sobre o direito à alimentação em que se afirma que
a cada ano são perdidos no mundo 30 milhões de hectares cultivados, ou 300
mil quilômetros quadrados, área equivalente à da Itália, mais que o Estado
de São Paulo – por causa de degradação ambiental e urbanização. “500 milhões
de pequenos agricultores sofrem de fome porque seu direito à terra é
atacado”, diz o documento (France Presse, 22/10).

A redução da biodiversidade significa perdas anuais entre US$ 2 trilhões e
US$ 4,5 trilhões, confirma o relatório Economia de Ecossistemas e
Biodiversidade, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
O relatório da Global Footprint Network diz que a sobrecarga já imposta aos
recursos naturais pela atividade humana exigirá (ou exigiria) que em 2030
precisemos de mais um planeta como a Terra para mantermos os formatos e o
ritmo. Em 40 anos se perderam 30% da biodiversidade global. E 71 países já
enfrentam déficits na área dos recursos hídricos.

É preciso começar a computar nos cálculos do produto interno bruto (PIB) de
cada país as perdas sofridas por esse caminho, diz o Pnuma. E
inevitavelmente faz lembrar mais uma vez o falecido secretário nacional do
Meio Ambiente José Lutzenberger, segundo quem não há nada melhor para
aumentar o PIB que um terremoto – porque os prejuízos não são incluídos
nessas contas e o valor da reconstrução é todo adicionado.

O fato é que as perdas são brutais. E um dos setores em que isso se tem
tornado mais evidente é o dos ecossistemas marinhos, embora o I Censo
Marinho Global diga (Agência Estado, 10/10) que os anos dourados das
descobertas da riqueza de espécies dessas áreas ainda estejam por vir. Até
agora foram identificadas 250 mil espécies marinhas e os cientistas
acreditam que haja pelo menos mais 750 mil – fora milhões de espécies de
micróbios (90% da biodiversidade oceânica), que talvez sejam bilhões. A
situação mais grave é a dos corais, por causa da acidificação das águas. De
acordo com a Organização Mundial para a Alimentação e a Agricultura (FAO),
da ONU, três quartos das espécies de peixes estão em perigo no mundo todo,
próximas do esgotamento, por causa de pesca excessiva, inclusive em lagos e
outros ecossistemas continentais, afetados pelo carreamento de nutrientes
das lavouras.

No Brasil, segundo estudo publicado na revista Nature (Estado, 30/9), a
situação é grave principalmente no Sudeste e no Nordeste. Rios e lagos
contribuem hoje com pelo menos 13 milhões de toneladas anuais de pescado,
que podem chegar a até 30 milhões, afirma o Pnuma (20/10). É uma atividade
particularmente importante para a geração de proteínas para crianças e de
trabalho para mulheres.

Umas das razões para a gravidade da situação nos oceanos está na falta de
zonas costeiras e marinhas protegidas. No Brasil mesmo, são apenas 1,5% do
total, segundo o experiente diretor de Conservação da Biodiversidade do
Ministério do Meio Ambiente, Bráulio Dias (Estado, 3/10), quando a proposta
no Japão foi de proteger pelo menos 20% dos ecossistemas em terra e no mar.
Menos de 10% das espécies marinhas em águas brasileiras são conhecidas.

E há uma “bomba de tempo” à espera nos oceanos, alerta a revista New
Scientist (4/9/10): o imenso estoque de óleo diesel acumulado nos porões de
milhares de navios afundados durante a 2.ª Guerra Mundial, que faz parecer
brincadeira de criança o recente vazamento de petróleo no Golfo do México,
20 vezes menor do que aquele estoque. O apodrecimento dos cascos levará a
vazamentos nas próximas décadas.

Diante de todo esse quadro, não podem deixar de preocupar muito os rumos
impostos à captura de pescado pelo nosso Ministério da Pesca, principalmente
o recente edital (O Eco, 27/7) que abre as águas brasileiras para
embarcações estrangeiras, navios que serão arrendados, com isenção fiscal,
para incentivar a pesca de atum espadarte. Será uma festa para frotas que já
recebem 1 bilhão em subsídios da União Europeia. Isso quando são conhecidos
os estudos oficiais do Revizee, que consideram ameaçadas 80% das espécies
marinhas brasileiras pescadas – enquanto o Ministério não deixa de apregoar
seu objetivo de multiplicar por dez a tonelagem pescada.

Da mesma forma, não podem deixar de inquietar editais do Ministério que
abrem novas áreas em terra e no mar. A aquicultura já aumentou a produção em
44% entre 2007 e 2009. A produção total brasileira de pescado subiu 25% em
oito anos e chegou a 1.240 mil toneladas em 2009. Na aquicultura foram 416
mil toneladas em 2009 (quando muitos estudos internacionais dizem que na
aquicultura o consumo de recursos é maior que a produção); na pesca
extrativa, 825 mil toneladas. Mas “a gestão pesqueira é um caos”, dizem os
especialistas (Estado, 3/10). E o Ministério do Meio Ambiente quer controlar
a expansão, trafegando na direção contrária à do Ministério da Pesca – que
em sete anos teve suas dotações orçamentárias ampliadas de R$ 11 milhões
para R$ 803 milhões, 73 vezes mais. Nesse período, a produção de pescado
passou de 990 mil toneladas anuais para menos de 1,3 milhão de toneladas
(Estado, 26/6).

É evidente que o quadro brasileiro precisa ser repensado. Seja pelo
contraste entre os objetivos oficiais no setor e o que dizem estudos sobre a
situação das espécies pescadas, seja pela grave situação dos recursos
marinhos no mundo, enfatizada pelos estudos e discussões na Convenção da
Diversidade Biológica. Não há como não levar a sério os diagnósticos e não
caminhar para políticas adequadas em matéria de conservação. As futuras
gerações vão cobrar.

Washington Novaes é jornalista.

(EcoDebate, O Estado de S.Paulo, 03/11/2010)

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