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segunda-feira, 28 de março de 2011
CRIAÇÃO DO COMITÊ NACIONAL DE COORDENAÇÃO DO PROJETO JOGOS LIMPOS
PROJETO JOGOS LIMPOS
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
COPA E OLIMPÍADAS: O QUE ESTÁ EM JOGO?
Copa e Olimpíadas: o que realmente está em jogo?
fevereiro 15, 2011 in Uncategorized | Tags: apartheid social, Copa de 2014, copa do mundo, especulação imobiliária, esporte, FIFA, Jogos Olímpicos., megaeventos,megaeventos esportivos, Olímpiadas de 2016, Raquel Rolnik, Revista Caros Amigos,setor imobiliário, Unidades da Polícia Pacificadora, UPPs, World Cup
Copa e Olimpíadas: o que realmente está em jogo?
A preparação das cidades brasileiras para os megaeventos esportivos já apresenta inúmeros problemas. Entre eles, obras aprovadas sem licitação e ameaças de despejos de milhares de famílias.
Por Débora Prado
A escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016 foi amplamente comemorada. Não poderia ser diferente num País em que o orgulho nacional e a paixão pelo esporte são traços culturais marcantes. O que as comemorações ocultaram, entretanto, são os muitos problemas relacionados à forma como é feita a preparação para estes megaeventos esportivos: são obras aprovadas sem licitação, ameaças de despejos de milhares de famílias, transferência de grande quantia de recursos públicos para poucos grupos privados, intervenções realizadas na cidade que ferem as legislações de planejamento urbano e proteção ambiental, extrema falta de transparência e nenhuma participação do conjunto da população nas decisões que já estão sendo tomadas em nome dos jogos.
Alguns atores do governo, da iniciativa privada e das entidades ligadas à Copa e Olimpíadas têm decidido como será a preparação das cidades e alocação dos recursos para os megaeventos, tendendo a reforçar a concentração de renda e poder já existentes. Enquanto isso, na grande mídia, há pouco ou nenhum espaço para importantes questionamentos: o que realmente representa esta preparação? Como o capital atraído para sua realização é distribuído? Como são planejadas as reestruturações urbanas? Quem ganha e quem perde com estes processos? A Caros Amigos conversou com moradores das cidades sedes dos eventos, professores, pesquisadores, intelectuais, parlamentares e integrantes dos movimentos sociais para tentar responder a estas perguntas e mostrar o ‘lado B’ da Copa e das Olimpíadas, ignorado diariamente na campanha pelo orgulho nacional.
“Faz parte da nossa cultura gostar do local onde nascemos e vivemos, as pessoas são apegadas as suas cidades e querem que haja eventos nela. Só que esse sentimento saudável se transforma numa armadilha contra a própria população. É preciso desfazer a cortina de fumaça e mostrar que sim, gostamos de jogos, queremos os eventos, mas sem autoritarismo, sem corrupção e sem comprometer o orçamento público pelos próximos 20 anos”, explica Carlos Vainer, professor do IPPUR/UFRJ (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Os problemas surgem quando as transformações legitimadas pela Copa e Olimpíadas abrem caminho para práticas como o desrespeito a direitos fundamentais e o mau uso dos recursos públicos. A professora da FAU-USP e relatora da ONU para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, explica que os megaeventos são uma estratégia que as cidades têm utilizado para promover transformações urbanísticas, com uma dupla serventia: “de um lado, a mobilização que ele provoca em nível nacional e internacional acelera a possibilidade de investimentos e transformações, ao mesmo tempo em que, na competição entre as cidades pela atração de investimentos internacionais, o megaevento traz visibilidade. E, ainda, como se trata de megaeventos esportivos, também tem um apego emocional, que justifica um verdadeiro estado de exceção, uma situação em que as regras normais de como as coisas devem ser feitas não precisam ser cumpridas”.
Ela relata que, com o estado de exceção gerado, tanto o Rio de Janeiro, quanto outras cidades brasileiras que receberão jogos do Mundial de Futebol, estão implementando intervenções que em situações corriqueiras ou demorariam ou teriam uma série de entraves do ponto de vista jurídico-administrativo, ou seriam alvo de resistência por parte da população. “Já estão sendo aprovadas várias excepcionalidades para a Copa do Mundo em relação à lei de licitações, isenção de impostos, a não necessidade de algumas salvaguardas que normalmente são exigidas, que vão desde alterações de Planos Diretores (lei municipal que estabelece diretrizes para a ocupação da cidade) que não passam pelos processos normais. Elas já estão sendo votadas pelas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e pelo Congresso Nacional – em todas as esferas, isso já está acontecendo no Brasil”, relata a professora.
De fato, somente na noite do dia 24 de novembro, o Senado Federal aprovou duas medidas provisórias destinadas especificamente à realização da Copa e Olimpíadas. Uma delas ampliou o limite de endividamento dos municípios em operações de crédito destinadas ao financiamento de infraestrutura para os eventos. Além disso, houve isenção fiscal para a importação de materiais que serão usados nos jogos. As duas MPs foram aprovadas em tempo recorde – em uma semana com apenas duas sessões de poucos minutos na Câmara e Senado.
Com o estado de exceção em curso, grande parte das intervenções feitas nas cidades não estão seguindo parâmetros estabelecidos em documentos internacionais e nacionais, como o “Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”, a Constituição Federal de 1988, o Estatuto das Cidades de 2001 e os Planos Diretores dos municípios. “Na verdade, nenhuma dessas intervenções faz parte de um processo de planejamento urbano, muito menos de um processo de planejamento participativo, que é aquilo que prega o Estatuto das Cidades”, explica Rolnik.
Como relatora da ONU para o direito à moradia adequada, a professora conta que já tem recebido denúncias de despejos e ameaças de despejos, principalmente de comunidades de baixa renda e de assentamentos precários, em várias cidades do Brasil, em função de obras de infraestruturaou ligadas aos equipamentos da Copa do Mundo. “Tudo aquilo que o Brasil se comprometeu como signatário do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – que diz claramente quais são os procedimentos adequados que devem ser adotados e seguidos no caso de ser ecessária uma remoção – não está sendo aplicado. Às pessoas que estão sendo removidas não é dada a chance sequer de ter informação sobre o projeto, sobre qual vai ser a alternativa oferecida a ela para o reassentamento. Também não é dada a chance de se estudar alternativas que evitem ou minimizem as remoções”.
Isto tudo com um agravante: o financiamento das intervenções é majoritariamente público. “São recursos financeiros, patrimoniais (terras), espaços públicos, que são transferidos sob regras de exceção para grupos privados, sem debate público, em negociações nas quais o povo não é consultado. Há uma canalização de recursos públicos para interesses privados, para as construtoras, as empreiteiras, as empresas de telecomunicações e marketing. E as empresas envolvidas são aquelas mesmas que estão nas listas entre as maiores contribuintes das candidaturas, as que fazem doações para todas as campanhas políticas, como a Odebrecht, a Camargo Corrêa, a Votorantim, o grande agronegócio. E, evidentemente, esses recursos são pagos por todas as outras rubricas, pelo transporte popular que não está sendo feito, pelo saneamento que não é feito e por aí vai”, destaca Vainer.
A Odebrecht, por exemplo, somente entre os estádios cujas construtoras já estão definidas, está presente nos consórcios a frente da construção Arena do Corinthians, em São Paulo, da Arena Fonte Nova, em Salvador, da Arena Pernambuco e na reforma do Maracanã, no Rio de Janeiro. Somados, os recursos previstos para estas obras atingem mais de R$ 2,6 bilhões. O economista Luiz Mário Behnken, coordenador da Rede de Mega Eventos Esportivos (REME) e membro do Fórum Popular do Orçamento, avalia que cada megaevento esportivo deve custar em torno de R$ 30 bilhões.
Para o professor Carlos Vainer, com esse procedimentos, as cidades brasileiras se transformam não apenas em um “grande negócio, mas num negócio corrupto e com o aval da presidência da república, financiamento do BNDES, e, como as informações não são transferidas para a população, também com apoio do povo”. Ele considera que a privatização do espaço público é absoluta. “Nos Jogos Pan-americanos de 2007 você não podia nem levar um sanduíche para o estádio, porque o Comitê Olímpico Brasileiro havia feito um contrato com uma rede de fast food que assegurava a ela a exclusividade de fornecer alimentação dentro do estádio”, exemplifica.
Os problemas que surgem com a falta de transparência na preparação para os jogos atingem, inclusive, o âmbito esportivo. Antropólogo e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcos Alvito foi um dos idealizadores da Associação Nacional dos Torcedores (ANT), que luta pela defesa do futebol brasileiro como arte, cultura e um patrimônio popular. Para ele, o apreço pelo esporte também tem sido usado nessa armadilha e o megaevento funciona como uma espécie de nuvem midiática que desarma a opinião pública em relação às transformações que vão ser operadas.
“O gosto pelo esporte é usado pela mídia e pelo poder público para legitimar interesses de pequenos grupos. No caso da Copa do Mundo isso é evidente. A expulsão do povo dos estádios de futebol está sendo financiada com dinheiro do próprio povo. A reforma do Maracanã, por exemplo, vai custar R$ 705,6 milhões e representa a quarta reforma do estádio nos últimos 11 anos”, afirma, complementando: “ela vai diminuir em quase 10 mil o número de pessoas que poderão ir ao estádio. Ou seja, onde já couberam 200 mil pessoas um dia, depois desta reforma, caberão 76 mil. O preço do ingresso só sobe e o campo também vai diminuir. O projeto do Maracanã, na verdade, não é para os torcedores, é o projeto de um shopping, que além de praça de alimentação vai ter uma praça de futebol ali no meio”, avalia.
Modelo de cidade
De acordo com a professora Raquel Rolnik, os megaeventos se inserem no contexto de um novo modelo de cidade. “Havia uma ideia corrente entre os anos 1950 e 1970, nos países desenvolvidos, de uma cidade planejada, com o acesso universal, em que a política de planejamento urbano é vista como uma atividade do Estado, como uma dimensão pública. Isso acabou sendo substituído por um paradigma de ‘empresariamento’ urbano, ou seja, os processos de transformação das cidades ocorrem conectados e dirigidos para a promoção de negócios e atração de investimentos, numa linha direta entre o modelo de política urbana e o capital, sobretudo, o capital imobiliário”.
Vainer explica que os grandes eventos estão relacionados justamente a esta nova modalidade de planejamento que surge nos anos 1980 e que torna a cidade uma empresa a concorrer no mercado com outras ‘cidades-empresas’, na busca por capitais, investimentos e pelos próprios eventos.
“Um dos grandes problemas deste modelo é que, ao competir, a cidade busca esconder tudo aquilo que não interessa aos negócios. Transformada em empresa, o dissenso é banido da cidade porque ameaça a competitividade. A política – a forma pela qual os agentes coletivos vão ao espaço público manifestar seus dissensos – é abolida, porque pode prejudicar os negócios. As regras são a da flexibilização, da cidade de exceção, o que quer dizer, na verdade, ‘tudo o que for necessário para viabilizar os negócios’. É o que eu chamo de democracia direta do capital, as decisões são tomadas numa ação direta do capital privado com o poder público”, descreve o professor.
Para Vainer, o megaevento radicaliza o modelo da cidade empresarial e da exceção. “Basta você ir atrás de todas as leis específicas, a FIFA não paga imposto, os hotéis pra Copa e Olimpíadas não vão pagar IPTU, todas as regras do direito de construir, do uso do solo, inclusive em termos fiscais, todas as regras são suspensas”, exemplifica.
Além de beneficiar a poucos, este modelo tem aspectos perversos: “se o objetivo é fazer da cidade uma vitrine, é preciso esconder tudo aquilo que gera críticas, como a pobreza e a miséria. A cidade é reduzida a sua faceta de exportação, é voltada para o exterior e não para os seus cidadãos. O exemplo da África do Sul está aí para lembrar isso, os pobres foram tirados das ruas, os vendedores ambulantes foram tirados das ruas, para não poluírem a paisagem. No Brasil, em Fortaleza, milhares de pessoas já estão ameaçadas de despejo, para a construção de estradas para a Copa. No Rio de Janeiro, vão construir vias de transportes, todas voltadas para a Barra da Tijuca, atendendo ao interesse da especulação imobiliária, enquanto 80% dos fluxos de transporte, das viagens feitas pelos citadinos, estão em outra direção”.
O palco dos megaeventos
Dentre as cidades brasileiras, a capital fluminense se tornou palco dos megaeventos. Após receber os jogos Pan-americanos em 2007, a agenda segue intensa: o Rio receberá, além da Copa de 2014 e Olímpiadas de 2016, outros eventos esportivos de grande porte, como os Jogos Mundiais Militares, neste ano, e a Copa das Confederações, em 2013.
O legado promete ser semelhante ao do PAN: endividamento público, remoção de favelas, infração de direitos humanos e aumento do apartheid social já marcante na cidade. Um exemplo dessa tendência é o mapa traçado para reformulação do sistema viário carioca. Marcos Alvito relata que o BRT (Bus Rapid Transit) Transoeste – uma espécie de corredor de ônibus que ligará a Barra da Tijuca a Santa Cruz – é muito mais voltado aos interesses da especulação imobiliária do que à população.
“Ele não interliga a cidade, na verdade, ele liga os pontos mais distantes da cidade à Barra da Tijuca, que passa a ser um novo centro. E de quebra, onde essas BRTs passam? Justamente em cima de comunidades de trabalhadores. Então, num só projeto, se cria o transporte para a Barra, remunera as empresas de ônibus, e, além disso, atravessa a favela, que tem que ser removida. Aí é mais um terreno liberado para a indústria de construção e para o setor imobiliário”, cita. Desse modo, os megaeventos vão valorizar uma das áreas já mais valorizadas do Rio de Janeiro, enquanto o subúrbio segue abandonado.
Outras políticas que não estão diretamente ligadas aos jogos reforçam ainda mais este caráter. “Se você ver o mapa das UPPs (Unidades da Polícia Pacificadora), elas não começaram pelas áreas mais conflagradas da cidade. Se há um plano de segurança, o lógico é começar por onde tem mais problema. Aqui não, aqui começa pelas áreas nobres. As UPPs, na verdade, são um corredor que vem lá do aeroporto até a Barra da Tijuca, então elas funcionam como um cordão sanitário”, considera Alvito.
Raquel Rolnik explica que, de fato, a geografia das UPPs corresponde a áreas de interesse no projeto da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. (…)
Fonte: Caros Amigos – Para ler a reportagem completa e outras matérias confira edição de janeiro da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou compre a versão digital.
NEGÓCIOS DA COPA 2014
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Escrito por RádioCom |
Qui, 17 de Fevereiro de 2011 06:50 |
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terça-feira, 18 de janeiro de 2011
O ESPORTE QUE VENDEU SUA ALMA

O esporte que vendeu a sua alma
Como o rude desporto bretão se tornou um ramo privilegiado da indústria do entretenimento
por Marcos Alvito
"Não quer que o chutem também, vagabundo jogador de futebol?" É com essas palavras, seguidas de um pontapé, que o leal conde de Kent agride um mordomo que ousara desrespeitar o rei. É uma cena da tragédia Rei Lear, escrita há 400 anos por Shakespeare. Naquele tempo, o futebol era considerado um jogo da ralé, e ser chamado de jogador era um xingamento. Não era para menos, porque consistia em um enfrentamento generalizado entre duas aldeias, muitas vezes com vítimas fatais. A turma tentava carregar uma esfera de couro - geralmente a bexiga de um animal - até a aldeia adversária. Lá chegando, a comemoração era quebrar tudo. Não havia nenhuma regra, e a balbúrdia era tanta que reis e autoridades tentaram proibir o jogo durante séculos.
Em Islington, ao norte de Londres, fica o estádio do Arsenal. O clube foi fundado por operários de uma fábrica de munições e até hoje o bairro onde fica o Emirates Stadium é relativamente pobre. Para chegar ao estádio, seguindo as placas colocadas desde a estação de metrô, passa-se por um restaurante boliviano, lojas por alugar, um pub que ostenta várias bandeiras do clube e um escritório onde imigrantes africanos podem enviar dinheiro para seus parentes. Contrastando com a vizinhança, o Arsenal é um dos clubes mais ricos do mundo e o canhão, símbolo que remete às suas origens, agora jaz numa parede revestida de mármore.
O Emirates Stadium, um colosso de concreto que mais parece um aeroporto ou um shopping center, custou 400 milhões de libras (1,6 bilhão de reais). Embora comporte mais de 60 mil torcedores, comprar ingresso para um jogo do Arsenal é missão quase impossível. Ingresso garantido, só para os que têm um cartão permanente (o season ticket) que dá direito a assistir a todos os jogos. Custa a bagatela de 990 libras (cerca de 4 mil reais), mas a lista de espera pode demorar até quinze anos. Para ficar na lista, é preciso pagar 45 libras (180 reais). Descendo um degrau na hierarquia pecuniária dos torcedores (ou consumidores?), há os sócios-torcedores. Pagando cerca de 30 libras (120 reais) por ano, eles podem comprar ingressos para todos os jogos - mas só depois de descontados os reservados aos que têm o cartão permanente. Nesse caso, os ingressos custam 40 libras (160 reais), no mínimo. E existe, finalmente, a categoria dos reles mortais, que poderão comprar ingressos só se sobrar algum. Os quatro grandes times (Arsenal, Chelsea, Liverpool e Manchester United) praticamente não vendem ingressos assim, pois os donos do cartão permanente e os sócios-torcedores fazem valer seus privilégios. Para os outros times, ainda é possível comprar um ingresso ou outro para jogos menos importantes.
Depois de dias de tentativas, consegui finalmente comprar um ingresso para o jogo do Fulham contra o Bolton Wanderers, talvez por acontecer numa quarta-feira à noite: pontapé inicial às 19h45. E sem dúvida porque a partida equivalia a um Náutico x América-RN. Paguei a módica quantia de 32 libras (128 reais) para sentar em um buraco na primeira fila, um ótimo lugar para ver a marca das chuteiras dos jogadores. Com o mar de chuva e o frio - o verão inglês ainda não foi informado do aquecimento global -, eu teria direito a ficar encharcado e batendo queixo por noventa minutos. Depois de uns quinze minutos, fui para um assento na parte coberta, bem sequinho. Pena que era em frente a uma das colunas de sustentação da arquibancada.
Os clubes da primeira divisão não teriam necessidade, aparentemente, de cobrar tão caro pelos ingressos. Somente com direitos de transmissão das próximas três temporadas, os vinte clubes da divisão de futebol mais rica do planeta ganharão 2,7 bilhões de libras (cerca de 11 bilhões de reais). A isso se soma a venda de inúmeros produtos. Se não se consegue comprar ingresso para um jogo do Arsenal, é possível freqüentar uma das duas gigantescas lojas do clube. Na ausência de dribles, passes milimétricos e cabeçadas certeiras, há quem se contente com uma caneca vermelha, bolas de golfe com o símbolo do canhão, meias, chaveiros, almofadas, pijamas, canetas, balas, cadernos, chocolates, relógios e até camisas do Arsenal com o nome do torcedor gravado, a quase 200 reais cada uma.
Além das quinquilharias, o fiel torcedor poderá gastar o seu dinheiro com o Arsenal de diversas maneiras: fazendo a assinatura da tevê a cabo para ver os jogos, pagando para receber mensagens no seu celular com as últimas notícias do clube, comprando um passe eletrônico para ver os gols pela internet, adquirindo o DVD da última temporada ou as dezenas de enciclopédias, biografias e autobiografias que são publicadas todos os anos. Caso não seja suficiente, pode-se apostar em dezenas de lojas diferentes, e pela internet também. Apostar em tudo: se o Arsenal será campeão, se vai ser rebaixado, se irá se classificar para as copas européias, quanto vai ser o placar do jogo, quem vai marcar o primeiro gol, em que minuto da partida... Sem falar no pão-nosso-de-cada-dia: as páginas esportivas dos jornais, as revistas especializadas e, é claro, a cervejada no pub com os amigos, vendo e comentando os jogos da rodada.
Como o jogo da ralé virou uma máquina de fazer dinheiro? O processo se confunde com a transformação de um jogo rural violento e selvagem num esporte praticado nas escolas mais aristocráticas da Inglaterra. Os professores tinham enorme dificuldade em conter pupilos originários de uma camada social superior. Os filhos da aristocracia desrespeitavam e, às vezes, agrediam seus mestres. Eram o terror da região em torno das escolas: estupravam camponesas, destruíam pubs, batiam nos aldeões. Entre eles mesmos havia violência. Os calouros eram tratados pelos veteranos como servos, inclusive no abuso sexual. Os diretores tiveram a idéia de canalizar a energia destruidora para uma atividade física.
Foi assim que, usando o pátio do colégio como campo, aos poucos o futebol virou um esporte, embora de início as regras fossem transmitidas oralmente e variassem de escola para escola. Como jogar era privilégio dos veteranos, durante muito tempo os calouros serviram apenas para marcar a linha lateral. A idéia funcionou e, com o tempo, os diretores conseguiram diminuir as arruaças nas escolas. Eram apoiados pela Igreja, que professava a doutrina do "Corpo são em mente sã". Cansar os meninos era uma maneira de evitar os pecados. Os alunos cresciam e iam para as melhores universidades, aonde chegavam com vontade de bater bola. Havia um problema: os alunos vinham de escolas diferentes e não existia uma regra comum. Algumas escolas permitiam carregar a bola com as mãos e chutar livremente a canela dos adversários. Era a regra da escola do Rugby Football, de onde derivou o rúgbi. Antes das partidas, os times tinham que combinar com quais regras jogariam. Até que uma reunião interclubes na Freemasons' Tavern, em 1863, adotou a regra que proibia o uso das mãos (exceto para o goleiro) e os pontapés (a não ser na bola).
As federações e campeonatos foram criados com impressionante rapidez. O motivo: a ralé, que inventara o jogo e o havia praticado durante séculos, apesar das proibições, aderiu logo ao novo esporte. Ele passou a ser jogado, nas cidades, pelos operários que fizeram a revolução industrial, ganhando salários miseráveis e morando em cortiços insalubres. Quando eles se organizaram em sindicatos e conseguiram arrancar dos patrões a meia jornada de trabalho aos sábados, aproveitaram o tempo livre para jogar futebol. Por isso, até hoje, o horário tradicional do futebol na Inglaterra - cada vez mais desrespeitado pela televisão - é sábado, às três da tarde, a hora em que o pessoal largava o macacão e calçava as chuteiras.
Jogado ou assistido, o novo esporte logo se tornou o principal divertimento dos moradores das cidades (junto com o álcool). Inclusive as mulheres jogavam, até 1902, quando a Football Association proibiu os clubes de manterem equipes femininas. Todo mundo lucrava: o industrial via seus operários criarem mais um vínculo com a fábrica, o dono do pub vendia mais cerveja, os jornais vendiam como nunca; surgiram empresas de material esportivo, prometendo a bola mais redonda e a chuteira mais possante. Depois dos times de fábrica, vieram times de paróquias, times dos freqüentadores de pubs, times de profissionais liberais e aristocratas. À medida que a Inglaterra expandia seu império, o futebol ganhava novos adeptos nas colônias, até se tornar o esporte mais popular do planeta.
Enquanto se alastrava pelo mundo, na pátria-mãe do esporte, contudo, o público diminuiu ano a ano, entre 1950 e 1986. A única exceção foi em 1966, quando a Inglaterra ganhou, em casa, sua única Copa do Mundo (graças a uma bola que não entrou). Entre 1985 e 1986, o público inglês do futebol alcançou o número mais baixo da história: 16,5 milhões de espectadores, contra 41 milhões em 1949. Embora a partir de 1986 tenha havido uma recuperação, a grande virada ocorreu com a criação da primeira divisão, a Premiership, em 1992.
A nova primeira divisão do futebol foi financiada por um espetacular contrato de exclusividade, firmado com a BSkyB, tevê a cabo do bilionário australiano Rupert Murdoch, que queria usar o futebol como ponta-de-lança para a implantação da televisão por assinatura na Inglaterra. Os ingressos aumentaram enormemente de preço: cerca de 300% nos sete anos iniciais da primeira divisão. A majoração não visou somente a melhorar os balanços financeiros dos clubes. Um dos seus objetivos era substituir os torcedores de origem operária por consumidores de classe média, excluindo os indesejados por meio de preços proibitivos. Era a transformação do futebol num ramo privilegiado da lucrativa indústria do entretenimento.
Em nome da segurança, desencadeou-se um processo de higienização dos estádios de futebol, agora transformados em shopping centers ou, nas palavras dos sociólogos Tim Crabbe e Adam Brown, "'palácios do prazer' onde o espetáculo é 'produzido' para uma variedade de 'consumidores'". Os estádios de futebol, antes considerados territórios sagrados dos clubes e de seus torcedores, muitas vezes são vendidos para construtoras, erigindo-se "arenas multiuso" em lugares distantes do bairro onde tudo começara, privando a vida comunitária de um dos seus centros mais importantes. Os novos estádios, exatamente como no modelo americano, tomam o nome das empresas que os financiaram ou, como se costuma dizer, dos patrocinadores do clube: Reebok Stadium (Bolton Wanderers), Ricoh Arena (Coventry City), Emirates Stadium (Arsenal), Kingston Communications Stadium (Hull City), Walkers Stadium (Leicester City) etc. Os campeonatos, devido à inevitável veiculação de notícias na mídia, agora também vendem seus nomes: a primeira divisão é Barclays Premier League e a segunda é chamada (com todos os cacoetes do marketing) de Coca-Cola Championship.
Dinheiro não tem alma e tampouco nacionalidade. Nove dos vinte clubes da primeira divisão têm proprietários estrangeiros. Inglês ou não, quase nenhum deles é verdadeiramente ligado ao futebol. São pessoas como um ex-cabeleireiro que fez fortuna como dono de cassinos (Birmingham City), um empresário islandês (West Ham), os herdeiros de um barão da indústria do aço (Blackburn Rovers), o dono da cadeia de restaurantes Planet Hollywood (Everton), um ex-primeiro-ministro da Tailândia investigado por corrupção (Manchester City), um milionário da indústria da carne e um peso pesado do mercado financeiro (Liverpool), um mal-afamado bilionário russo da indústria do petróleo (Chelsea) e o dono do Cleveland Browns, um time de futebol americano (Aston Villa).
Quem está prestes a ingressar nesse seleto, mas pouco respeitável clube, é o oligarca da indústria dos metais Alisher Usmanov, amigo de Vladimir Putin e conhecido como "O homem duro da Rússia". Um título e tanto, em se considerando o estilo de negócio que hoje lá impera. Ele está prestes a comprar o Arsenal, o último dos quatro grandes ainda em mãos inglesas. O curioso é que os bilionários nem se importam em tomar prejuízo. Numa única temporada (2005-2006), o todo-poderoso Roman Abramovich, dono do Chelsea, perdeu 80 milhões de libras (320 milhões de reais).
Como também é da tradição inglesa, criaram-se associações de torcedores de resistência à mercantilização absoluta do futebol. A "tomada" do Manchester United pelo milionário americano Malcolm Glazer é um exemplo. Os torcedores invadiram as lojas dos patrocinadores cantando e atrapalhando os negócios. Iniciaram boicotes contra essas mesmas empresas e até contra o clube, ameaçando não renovar seus season tickets. Acontece que o "Man U", como é conhecido o time, tem dezenas de milhões de torcedores na China, no Japão, na Coréia. Ou seja, não é mais um clube, é uma multinacional do entretenimento esportivo. Vencidos, mas não derrotados, os torcedores ingleses do Manchester viraram as costas para o clube e prometeram nunca mais voltar - e nem assistir aos seus jogos pela televisão. Em 2005, criaram um novo clube, o FC United of Manchester, e começaram tudo de novo, a partir da décima divisão. "Os Rebeldes", como se intitulam, foram campeões logo no primeiro ano e no segundo ano subiram novamente, agora para a oitava divisão. Inspiraram-se no exemplo dos torcedores que criaram o AFC Wimbledon, em 2002, insatisfeitos com aquilo que um torcedor chamou de "o roubo do nosso clube": a transferência do estádio para uma localidade distante a mais de 100 quilômetros.
Os exemplos pululam. Inconformados com a venda do estádio do clube para uma companhia imobiliária, torcedores do Brentford formaram um partido, que lançou catorze candidatos (um deles foi eleito) em um pleito regional. A resposta mais original, e literalmente na mesma moeda, veio do grupo que criou o site MyFootballClub. A idéia é tão simples quanto genial. Por 35 libras (140 reais), menos do que um ingresso para um jogo da primeira divisão, você se torna dono e técnico de um time de futebol. Promoção "Paga um, leva dois": torna-se dono porque o clube será dirigido a partir do voto unitário dos milhares de proprietários; e técnico porque terá direito a escolher a escalação da equipe, sem ter de ficar eternamente reclamando do time com quatro volantes de contenção. "Parece brincadeira, mas não é. Cerca de 20 mil pessoas aderiram e, com as 700 mil libras arrecadadas, em novembro passado o site anunciou que havia fechado um acordo para comprar pelo menos 51% das ações do Ebbsfleet United, um time da quinta divisão."
Há também aqueles que continuam a torcer pelo seu clube e a freqüentar os estádios; estes têm nos fanzines uma forma de expressar seu descontentamento. Tais fanzines são publicações dos torcedores que começaram a ser divulgadas na segunda metade dos anos 80, inspiradas em fanzines musicais que existiam desde meados da década de 70, ligados, sobretudo, aos punks. Eram, em parte, uma reação à histeria da imprensa e das autoridades em relação ao hooliganismo, e àqueles que tendiam a ver em todo torcedor um criminoso em potencial.
Os fanzines foram importantes para agrupar os torcedores em defesa dos seus interesses, pois levaram à criação de associações. Serviram para lutar contra o aumento do preço de ingressos, contra a venda do estádio do clube e também como plataforma para enfrentar problemas mais amplos, como o plano governamental (da época de Margaret Thatcher) de implantar um cartão obrigatório para identificar o torcedor que quisesse freqüentar o estádio. Entre 1988 e 1990, o número de fanzines saltou de vinte para mais de 200, graças à facilidade de edição proporcionada pelos computadores. Com o desenvolvimento da internet, os fóruns de torcedores hoje são os sites e listas de discussão, mas alguns fanzines ainda persistem.
Somente no jogo entre Birmingham e West Ham, pude comprar dois deles: The Zulu e Made in Brum. O primeiro é o mais radical e engraçado. A relação de amor e ódio mantida com o clube é bem resumida na capa, onde se lê: "Birmingham City Football Club: destruindo esperanças e sonhos desde 1875". The Zulu custa metade do valor de um programa oficial feito pelo clube, e é muito diferente. Os valores da publicação são explicitados em cinco princípios, ilustrados por um camisa nove urinando em cima da camisa nove do adversário daquela tarde, o West Ham:
Como um apaixonado e leal torcedor dos Blues, tenho direito a:
1. Tomar uma cerveja ou duas antes do jogo e chegar ao estádio quando eu quiser.
2. Torcer da forma mais radical, gozando e gesticulando para os adversários, intimidando-os o máximo possível.
3. Usar a língua inglesa do jeito que eu quiser.
4. Recusar-me a aceitar as instruções idiotas dos funcionários do estádio.
5. Reagir à vitória, ou à derrota, da porra do jeito que eu quiser, e sair do estádio da forma que corresponda ao resultado.
Nós somos famosos por verbalizar nossa torcida e nossa paixão, por mais que isso ofenda aqueles que desejam uma primeira divisão pacífica, quieta e silenciosa como uma biblioteca.
E ainda acrescentam, em letras colossais:
NÃO DEIXEM OS PUNHETEIROS QUE ROUBARAM O NOSSO JOGO ROUBAREM TAMBÉM A NOSSA PAIXÃO.
Os fanzines, hoje em dia, muito mais do que divertirem, proporcionam um espaço para manifestações contra a hipercomercialização do futebol. Os aficcionados desesperados torcem por um time que jamais ganhou uma competição nacional, mas continuam fiéis a um clube de mais de 130 anos. Fiéis, mas por quanto tempo? Um deles confessa em Made in Brum: "Eu sempre vou amar o Birmingham City Football Club e esse amor nunca vai morrer, eu sei disso. Mas o que acontece em certos períodos da história do nosso clube faz você pensar se realmente vale a pena o tempo, o esforço e a montanha de dinheiro que você gasta para vê-los chutar a bola mais uma vez."
Essa paixão, expressa de uma forma mais organizada e politizada do que no Brasil, faz da Inglaterra o verdadeiro país do futebol. Não somente por ter sido onde ele nasceu e se transformou em esporte, mas porque as raízes históricas fazem com que a cultura do futebol seja mais profunda, e esteja fortemente ligada à construção de identidades locais, regionais, de classe e até religiosas. É possível, todavia, que a excessiva comercialização esteja colocando em risco a continuidade da tradição. Uma pesquisa realizada pela própria primeira divisão, no ano passado, revelou que a idade média do público dos seus jogos é de 43 anos. Hoje, menos de um em cada dez tem menos de 24 anos. Os torcedores jovens assistem aos jogos nos pubs ou vêem os melhores momentos pela internet.
O envelhecimento dos torcedores foi, de certa forma, uma política consciente dos novos donos do futebol. Os freqüentadores mais velhos têm maior poder de consumo e causam menos problemas do que os bandos de jovens que formavam os hooligans. Estes não deixaram de existir, apenas passaram a freqüentar os jogos das divisões inferiores, nas quais a vigilância é menor e ainda é possível arranjar uma briga. E cujos ingressos têm preços menos proibitivos. Tive uma prova disso quando fui assistir a Nottingham Forest versus Leeds na terra de Robin Hood.
Parecia apenas um jogo da terceira divisão entre duas ex-potências, mas foi muito mais. A surpresa começou no caminho para Nottingham. Quando o trem parou em Derby, vi uma grande confusão na plataforma, envolvendo dezenas de policiais e uma pequena multidão. Assim que a porta do vagão se abriu, entrou um grupo de uns vinte torcedores do Leeds. Quando percebi, eles me rodeavam. Todos levavam uma lata (grande) de cerveja na mão e cantavam, alegremente: "Nós vamos ganhar o campeonato". Os que estavam sentados perto de mim correspondiam ao protótipo do hooligan: cabeças raspadas, tatuagens, pescoços largos, poucos dentes da frente. E eu estava de camisa vermelha da seleção inglesa, a cor da camisa do adversário deles, o Forest. Como dizem que a melhor defesa é o ataque, saí puxando conversa. Disse logo que eu era brasileiro, torcedor do Flamengo, e puxei da carteira uma figurinha do Zico para comprovar. Foi o que bastou para ser adotado pela turma.
Nossa recepção na estação de Nottingham foi tensa. Havia policiais por todo lado, dois deles filmando a nossa chegada. Ao sairmos à rua, ninguém do grupo sabia o caminho direito e a toda a hora falavam ao celular com alguém, tentando descobrir a melhor rota. Para eles, a questão era chegar sãos e salvos a um pub neutro, onde pudessem beber mais cerveja antes do apito inicial. Fizemos uma rota em ziguezague, por ruas menos movimentadas, com o pessoal olhando para os dois lados e para trás também, aparentemente com medo de uma emboscada. Fiz amizade com os mais velhos da turma, uns cinco trintões que não trajavam nada que pudesse identificá-los como torcedores do Leeds. É uma das precauções básicas dos hooligans. O grupo destacou-se do restante e eu colei neles. Fomos guiados pelo celular até a área do Notts County, um clube local que é rival do Forest. Um dos meus novos amigos, um baixinho atarracado e forte, explicou o problema quando passávamos por alguns torcedores do Forest. "Enquanto forem um grupo pequeno nós podemos lidar com eles, o problema é se encontrarmos um grupo maior, uns trinta." Naquele momento, contando comigo, um vegetariano pacifista, éramos seis...
O amigo baixinho disse que o futebol hoje é all about money, money. Não há mais jogadores fiéis ao clube. "Só nós, torcedores, somos fiéis." Depois de alguns litros de cerveja, bebidos em poucos minutos, partimos para o estádio, meia hora antes de o jogo começar. Novamente fizemos um caminho sinuoso, passando por policiais montados a cavalo, outros segurando cães. Os policiais estavam com cassetetes, o que não é comum na Inglaterra. Tudo indicava que aquele jogo não seria dos mais tranqüilos. E não foi. Depois de o Leeds derrotar o time da casa por 2 a 1, na saída do estádio, jovens torcedores do time vitorioso tentaram invadir a estação de trem.
Os ingressos a 50 libras (200 reais) e os esquemas de fidelidade da primeira divisão impossibilitam a presença desse tipo de torcedor. Há quem ache tudo isso muito natural, apenas mais um exemplo do império das leis de mercado. Mas as conseqüên-cias danosas estão visíveis por toda a parte. Clubes tradicionais endividam-se irremediavelmente, tentando, em vão, contratar jogadores que lhes permitam competir com as equipes turbinadas pelo farto (embora de origem duvidosa) dinheiro de generosos oligarcas. Alguns fecham as portas, outros vendem seus estádios e muitos definham dia a dia. O apoio dos torcedores, o coração de qualquer clube, começa a faltar. Antes eles eram ligados ao clube local ou do bairro, já os novos adeptos querem torcer por um time vencedor, que compra craques no mercado mundial e aparece na televisão. É cada vez mais fácil ver crianças com as cores do Liverpool, do Arsenal e, principalmente, do Manchester United. A montanha de recursos proveniente da televisão fica totalmente concentrada na primeira divisão, que, aliás, foi criada para isto mesmo: para não ter que dividir a grana com as outras divisões, ou seja, com os clubes mais pobres. Na verdade, o abismo entre os clubes acentua-se no interior da própria primeira divisão. Nos últimos quinze anos, apenas quatro clubes conseguiram ser campeões. O futebol começa a ficar sem graça.
Os novos donos do futebol inglês parecem ter adotado o modelo americano: o esporte como show business. Nos Estados Unidos o esporte profissional movimenta duas vezes mais dinheiro do que a indústria automobilística, e sete vezes mais do que Hollywood. Dentro dos novos estádios-shopping, muitas vezes o grito ou o canto dos torcedores é abafado pela música dos alto-falantes, no melhor estilo NBA. Os locutores procuram orquestrar e controlar as emoções dos torcedores. Estes são obrigados a torcer sentados, permanentemente vigiados pelos circuitos internos de televisão e por uma multidão de zelosos funcionários. Durante um jogo do Birmingham City contra o West Ham, um desses funcionários proibiu-me de tirar fotos com minha humilde e despretensiosa câmera fotográfica. A explicação: o espetáculo é propriedade do clube. E dele agora fazem parte os mascotes infantilóides, como bichos de pelúcia gigantes: leõezinhos, elefantinhos, cachorrinhos. À venda na loja do clube, é claro.
Num ponto crucial, contudo, o modelo original é superior. Embora visando unicamente ao lucro, os empresários do esporte americano sabem que o valor da sua mercadoria depende de algo chamado competição. O esporte é um negócio com certas especificidades. O historiador holandês Johan Huizinga lembrava, em seu Homo Ludens, que o feitiço despertado pelo jogo depende em grande parte da tensão proveniente da incerteza e do acaso. Exatamente para preservar o valor comercial do seu produto, os dirigentes do futebol americano buscaram garantir esse elemento essencial, tomando medidas concretas para evitar um desequilíbrio de poder financeiro entre as franquias. Diminuindo a incerteza, desaparece a magia do jogo. Por isso, desde o momento em que ligaram seu destino à televisão, eles estabeleceram que os recursos fossem igualmente divididos entre as equipes. Na década de 90, ainda com a mesma preocupação, fixaram um teto salarial, resolvendo, de uma só tacada, dois problemas: a escalada astronômica da remuneração e o possível desequilíbrio entre as equipes.
No caso do futebol de bola redonda, a entrada selvagem do capital tem desfigurado o jogo. Surgiu uma elite mundial de clubes globalizados e plenamente transformados em empresas, como o Milan, o Manchester United, o Real Madrid. A concentração de recursos permite monopolizar os melhores jogadores, provenientes dos quatro cantos do planeta. Campeonatos nacionais, antes equilibrados, agora têm um ou dois favoritos. Muitos clubes nem mais competem com esperança de conseguirem o título - cada vez mais improvável -, mas apenas com a pretensão de se classificarem para uma das várias competições européias, bastante lucrativas. Não é mais tudo pela vitória. Agora, é tudo pelo equilíbrio contábil.
Por falar em finanças, as minhas estavam abaladas pelas despesas com a compra de ingressos. Passei a apelar para os jogos da segunda divisão, mas o preço das entradas - por volta de 30 libras (120 reais) - continua-va a destroçar meu orçamento. Foi assim que acabei indo ver o clássico Leamington versus Sutton Coldfield, jogo da British Gas Business Football League Midlands Division. Traduzindo: a oitava divisão. Dentre os 4 mil clubes de futebol da Inglaterra, talvez não haja um grito
de guerra mais original do que o do Leamington: "Vamos lá... Freios!" Freios? É porque o Leamington tem sua trajetória ligada à história da indústria automobilística na região de Warwickshire, no centro da Inglaterra. Embora tenha sido fundado em 1891, antes de o futebol chegar ao Brasil, o Leamington só se tornou um clube de maior expressão em 1946, ao ser encampado pela Lockheed, a maior empregadora da cidade e fabricante de sistemas hidráulicos... de freios. O declínio da indústria automobilística levou o clube a vender seu estádio e a fechar as portas em 1988. Um fanático grupo de torcedores, entretanto, manteve acesa a chama do clube e, em 2000, refundou o Leamington. O clube subiu várias divisões em poucos anos e já voltou ao lugar onde estava antes de ser extinto: a oitava divisão.
Nela, a realidade é completamente diferente da bilionária primeira divisão. Seus jogadores, semiprofissionais, trabalham na construção civil, são faxineiros, funcionários de escritório etc. Alguns são estudantes universitários. Eles treinam à noite, por duas horas, nas terças e quintas-feiras. Recebem apenas uma ajuda de custo, girando em torno de 100 libras (400 reais) por semana. Marcus
Jackson, o atlético e ofensivo lateral direito dos "Brakes" - apelido do Leamington; freios, em inglês -, resumiu assim seus objetivos: "Aproveitar meu futebol e me divertir no fim de semana". Aos 28 anos, ele não tem grandes esperanças, mas se sente feliz em poder jogar, depois de ter fraturado o fêmur, o que levou os médicos a decretarem o fim da sua carreira. Ele acha que os Brakes têm uma chance de vencer o campeonato deste ano. Pedreiro autônomo, ele tem que parar de trabalhar mais cedo quando os Brakes jogam no meio da semana.
Marcus Jackson e seus companheiros são treinados por Jason Cadden, 38 anos, um ex-ponta-esquerda que teve sua carreira interrompida por causa de uma contusão no joelho. Ele começou a dirigir clubes comunitários e há sete anos é técnico dos Brakes. Não é seu único emprego: ele também trabalha como técnico em várias escolas para complementar sua renda. Diz que ganha o suficiente para "pagar as contas". Os jogadores são descobertos por ele ou por olheiros do clube, torcedores que enviam dicas. Acha que o futebol profissional de hoje está um pouco fora da realidade, com salários estratosféricos e a circulação de um volume absurdo de dinheiro.
O presidente do clube, David Hucker, é um compenetrado senhor de 58 anos que trabalha como consultor da prefeitura. Voluntário, não recebe um centavo do clube. Além de buscar o contato com os torcedores do Leamington, Hucker divulga o clube no rádio e nos jornais. Ele mesmo escreve uma coluna comentando os jogos do time, publicada em mais de um jornal local e no site do clube. Parece estar dando certo, pois, naquela tarde de sábado em que o Leamington enfrentou o Sutton Coldfield, o novo estádio abrigou um público recorde para aquela divisão: 648 pagantes! Hucker estava contentíssimo.
A bilheteria, com o ingresso a 6 libras (24 reais, bem barato para a Inglaterra), representa apenas 10% dos recursos do clube. Além do patrocinador - uma empresa de materiais de construção, que gera 25% da renda -, a principal fonte de arrecadação é o bar. Há outras fontes menores, como os anúncios em torno do campo ou no programa do jogo. Sim, um clube da oitava divisão faz um programa para cada jogo, amistoso ou oficial. Com orgulho, Hucker revela que o clube não deve uma libra a ninguém: "Somos donos do estádio, construímos tudo pouco a pouco, temos feito lucro ano após ano. É a única maneira".
A administração impecável e o profissionalismo são o que mais impressionam um brasileiro acostumado ao caos administrativo do futebol pentacampeão do mundo. Cheguei a Leamington de trem e tive apenas que atravessar a rua para pegar a van gratuita, contratada pelo clube para levar os torcedores até o estádio. Depois de dez minutos de viagem, chegamos ao campo, construído no meio do nada. Paguei meu ingresso e fui dar uma olhadinha no estádio. Bem, estádio é uma maneira de falar. Por enquanto, o que há é um gramado muito bem cuidado e cerca de 300 lugares sentados. Há uma pequena casinha de madeira onde são vendidas camisas, chaveiros e os tradicionais cachecóis do clube. Mas nada de bolas de golfe. Nem sinal de mascotes ou lojas de apostas. Do lado de fora, fica um quadro com as escalações dos dois times escritas com uma caneta Pilot.
Começa a partida: o Leamington no seu tradicional uniforme, camisa amarela, calções pretos e meias pretas, versus o Sutton Coldfield, todo de azul. Os Brakes começam no ataque: Ben Mackey, um rechonchudo atacante, abre o placar com um forte chute após um minuto de jogo. Aos dezenove minutos, os visitantes têm um pênalti a seu favor, mas Richard "Mozza" Morris, o bravo goleiro dos Brakes, salva a tarde. Os azuis pressionam bastante durante todo o jogo, mas o Leamington faz aquilo que se espera de um time com o apelido de "freios" e segura o resultado até os 41 minutos do segundo tempo. Depois de uma bela jogada de Richard Adams, James Husband dispara um petardo com a canhota e sela o resultado de 2 a 0 para os Brakes. Ninguém segura os freios... A maior parte do público assiste ao jogo de pé, ao lado do campo, de onde dá para ouvir os jogadores reclamando do juiz, o técnico passando instruções e até as provocações entre os jogadores. Muito simpático. Aqui, o futebol parece ainda ter alma.
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
SÓ PARA PROFESSORES...
Para relaxar neste começo de ano...
Só para professores!!!
O Sermão da montanha
(*versão para educadores*)
Naquele tempo, Jesus subiu a um monte seguido pela multidão e, sentado sobre uma grande pedra, deixou que os seus discípulos e seguidores se aproximassem.
Ele os preparava para serem os educadores capazes de transmitir a lição da Boa Nova a todos os homens.
Tomando a palavra, disse-lhes:
- "Em verdade, em verdade vos digo:
Felizes os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.
Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
Felizes os misericordiosos, porque eles..."
Pedro o interrompeu:
- Mestre, vamos ter que saber isso de cor?
André perguntou:
- É pra copiar?
Filipe lamentou-se:
- Esqueci meu papiro!
Bartolomeu, quis saber:
- Vai cair na prova?
João levantou a mão:
- Posso ir ao banheiro?
Judas Iscariotes resmungou:
- O que é que a gente vai ganhar com isso?
Judas Tadeu, defendeu-se:
- Foi o outro Judas que perguntou!
Tomé questionou:
- Tem uma fórmula pra provar que isso tá certo?
Tiago Maior indagou:
- Vai valer nota?
Tiago Menor reclamou:
- Não ouvi nada, com esse grandão na minha frente.
Simão Zelote gritou, nervoso:
- Mas porque é que não dá logo a resposta e pronto!?
Mateus queixou-se:
- Eu não entendi nada, ninguém entendeu nada!
Um dos fariseus, que nunca tinha estado diante de uma multidão, nem ensinado nada a ninguém, tomou a palavra e dirigiu-se a Jesus, dizendo:
- Isso que o senhor está fazendo é uma aula? Onde está o seu plano de curso e a avaliação diagnóstica? Quais são os objetivos gerais e específicos? Quais são as suas estratégias para o levantamento dos conhecimentos prévios?
Caifás emendou:
- Fez uma programação que inclua os temas transversais e atividades integradoras com outras disciplinas? E os espaços para incluir os parâmetros curriculares gerais? Elaborou os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais?
Pilatos, sentado lá no fundão, disse a Jesus:
- Quero ver as avaliações da primeira, segunda e terceira etapas e reservo-me o direito de, ao final, aumentar as notas dos seus discípulos para que se cumpram as promessas do Imperador de um ensino de qualidade. Nem pensar em números e estatísticas que coloquem em dúvida a eficácia do nosso projeto.